Falamos de um dispositivo médico, pensado e criado por uma equipa multidisciplinar de investigadores da Universidade do Porto. Um sistema de esterilização reutilizável que permite eliminar os microrganismos que infetam, por exemplo, cateteres de diálise e, assim, dispensa o uso de antibióticos e outros químicos antisséticos que podem danificar o corpo humano. 

O caráter inovador desta tecnologia “made in” U.Porto levou à criação de uma empresa – a GOTECH Antimicrobial – que, em janeiro deste ano, licenciou a invenção. A GOTECH é uma startup medtech dedicada ao desenvolvimento de soluções para combater as infeções associadas a dispositivos médicos. Tendo em conta o potencial clínico e comercial da tecnologia em questão, aplicável não só em dispositivos de desinfeção de cateteres, mas de outros dispositivos médicos, “a criação de uma empresa que permitisse a exploração comercial da invenção surgiu naturalmente”, refere Patrícia Henriques, inventora e cofundadora da GOTECH. 

O dispositivo foi desenvolvido e patenteado durante a sua tese de doutoramento, sob orientação de Inês Gonçalves, também investigadora do i3S/INEB e líder do grupo Advanced Graphene Biomaterials. Em conjunto, as duas investigadoras decidiram dar o passo de criar a empresa. “No mundo das empresas de base tecnológica é muito valorizado o facto de serem os próprios inventores a fazer a exploração comercial”, dizem, realçando a importância do licenciamento da tecnologia à startup. 

Na opinião da equipa envolvida no processo, licenciar a invenção a uma empresa é passo muito importante, pois permite que esta esteja numa posição mais competitiva em momentos de interação com investidores ou potenciais clientes. “Este licenciamento é essencial para proteger a propriedade intelectual, garantir a exclusividade da tecnologia, facilitar a sua comercialização em larga escala e permitir acesso a financiamento disponível apenas a empresas”, referem.

O contrato foi, então, celebrado entre três entidades – GOTECH Antimicrobial, i3S/INEB e Universidade do Porto – e baseia-se na cedência dos direitos de exploração comercial à empresa, “através de um modelo de recompensa financeira por taxas de sucesso após milestones atingidas”, esclarecem as cofundadoras. 

Uma ação antimicrobiana duradoura

A tecnologia nasceu, então, nos laboratórios do i3S, em colaboração com o LEPABE/FEUP. Além de Patrícia Henriques e Inês Gonçalves (ambas do i3S) da equipa de inventores fazem parte também Fernão Magalhães e Artur Pinto, investigadores do LEPABE/FEUP.

Baseia-se na irradiação do grafeno com luz no infravermelho próximo. “Quando irradiado, o grafeno demonstra uma capacidade notável de matar mais de 99% de bactérias clinicamente relevantes (em suspensão e aderidas), incluindo aquelas resistentes aos antibióticos. Ao fazê-lo, impede o desenvolvimento posterior da infeção”, explicam os cientistas.

Assim, esta solução oferece uma ação antimicrobiana duradoura, que dispensa o uso de antibióticos e outros químicos antisséticos que podem ser nocivos. Essa ação ocorre pela combinação de dois efeitos: fototérmico (ação do calor) e fotodinâmico (stress oxidativo), o que dificulta o desenvolvimento da resistência por parte das bactérias. E, como referem os investigadores, isso é “extremamente relevante, considerando que a resistência aos antibióticos é um grave problema de saúde pública”. Outra vantagem é o facto de esta tecnologia poder ser integrada num só dispositivo, permitindo reutilização e portabilidade, e sendo segura para as pessoas.

Para o futuro está a ser pensada a comercialização da GOcap®, o primeiro produto a integrar, de facto, a tecnologia. “Será a primeira tampa de desinfeção de cateteres baseada em grafeno e ativada pela luz, que visa prevenir a infeção de cateteres de hemodiálise”, explica Patrícia Henriques. Em colaboração com a start-up, o grupo de investigadores do i3S/INEB está, neste momento, a terminar a fase de otimização do protótipo (com colaboração do INESC-TEC na componente eletrónica/ótica) e a iniciar a fase de produção em escala piloto “que vai permitir a realização de um primeiro estudo clínico com pacientes em hemodiálise no próximo ano”, contam.

O grupo de investigação do i3S vai continuar a explorar a utilização desta tecnologia para outras aplicações antimicrobianas, colaborando em proximidade com a GOTECH, ao mesmo tempo que Fernão Magalhães e Artur Pinto, na FEUP, continuarão a trabalhar no desenvolvimento de novas aplicações biomédicas de grafeno e outros nano materiais 2D. 

O grande plano é “expandir a aplicação desta tecnologia a outros sistemas de desinfeção que possam prevenir e tratar outras infeções relacionadas com dispositivos médicos e ambiente hospitalar em geral”, refere Patrícia Henriques. E, nesse sentido, a estratégia de licenciamento é fundamental uma vez que “acelera a disponibilização no mercado da solução inovadora e eficaz para o combate a bactérias resistentes a antibióticos, beneficiando diretamente os pacientes e a saúde pública global”, concluem os cientistas.