Dois anos se passaram desde que a Veniam, empresa spin-off da Universidade do Porto, IT e Universidade de Aveiro, lançou a maior rede veicular do mundo. O “STCP” free wi-fi” conseguiu, assim, transformar centenas de autocarros da cidade do Porto em hot-spots de livre acesso à Internet, traduzindo-se já em 4 milhões de sessões para mais de 400 mil utilizadores. Mas o que está por trás deste sistema? Como surgiu a tecnologia que tornou tudo isto possível de forma segura?
Foi em contexto académico e saiu das mentes de João Barros (co-fundador e atual CEO da Veniam) e de Susana Sargento (co-fundadora da Veniam). O trabalho de investigação dos dois cientistas estava focado em desenvolver uma tecnologia que permitisse a criação de redes veiculares, onde cada veículo pudesse funcionar como um hotspot. No processo, criaram a base (desde hardware, a protocolos de rede e serviços) do que viria a ser a primeira empresa do mundo a implementar uma rede veicular de larga escala.
Estando o foco em criar redes wireless com biliões de utilizadores, capazes de gerar quantidades extraordinárias de dados, uma das preocupações da Veniam prendia-se também com a segurança de comunicações. E também aí a empresa possui uma tecnologia que permite a comunicação segura entre os intervenientes das redes veiculares, desenvolvida por João Barros, Mate Boban, Saurabh Shintre e João Almeida, em entrevista nesta edição. Como o investigador da Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP) refere, a ideia surgiu “numa fase muito preliminar de redes veiculares” e para colmatar a ausência de protocolos de segurança que garantissem a confidencialidade de forma eficiente. “As redes veiculares surgiram com um primeiro propósito muito simples: desenvolver sistemas que, através do envio de mensagens, ajudassem a aumentar a segurança automóvel e a melhorar o trânsito”, explica o investigador. Ou seja: a base destes sistemas seria divulgar mensagens sobre acidentes ou tráfego para todos os utilizadores da rede, situação apenas possível porque nas redes veiculares, como em qualquer outra rede sem fios, qualquer utilizador pode escutar as mensagens enviadas.
Isto poderia ser, à partida, um problema de confidencialidade de dados mas como a ideia é a divulgação massiva, as vantagens sobrepõem-se. A principal preocupação dos investigadores prendeu-se, sim, com a autenticidade dessas mesmas mensagens, sendo necessária uma standardização de mecanismos de autenticação das mesmas, de forma a ser possível identificar quem gerou uma dada mensagem e que a mesma não foi alterada. “Quisemos ir um pouco mais longe”, refere João Almeida: “imaginávamos as redes veiculares como uma extensão natural das redes wireless, onde cada veículo pudesse ser um hotspot”, diz. E aqui, sim, voltou a surgir a questão da confidencialidade porque, em cada um desses veículos estão pessoas a usar a rede veicular para aceder à Internet, preocupados com o destino dos dados que transmitem. Apesar de existirem bastantes mecanismos criptográficos capazes de garantir esta confidencialidade de dados, rapidamente se percebeu que nenhum era adequado a redes veiculares. A razão é simples: estas redes são sujeitas a bastantes erros de comunicação (pelo facto de usar um meio sem fios) e os veículos estão em movimento, criando conexões intermitentes. Isso faz com que seja necessário otimizar toda a comunicação e os mecanismos tradicionais de criptografia não conseguem dar uma resposta eficiente: “Requerem a transmissão de quatro mensagens antes de se poder comunicar de forma segura. Se alguma delas se perder, terá de ser retransmitida e isso é, muitas vezes, problemático pois o processo para obter uma conexão segura pode demorar muito tempo”, explica João Almeida.
Foi aí que surgiu a necessidade de desenvolver este inovador sistema que não é mais do que “um protocolo de troca de conjuntos de chaves simétricas que utiliza o menor número possível de transmissões e que é mais capaz de maximizar o tempo útil de conexão para transmitir dados”, refere o investigador. Através desses conjuntos de chaves, fornecidos aos utilizadores das redes veiculares (através de uma infraestrutura de rede segura), os utilizadores vão-se informando, com base em dados geográficos e temporais, sobre quais as chaves que os restantes utilizadores possuem. E isso faz com que aumente bastante “a probabilidade de que, a priori, dois utilizadores consigam obter uma chave partilhada (que permite estabelecer uma conexão segura) ainda antes de terem tentado estabelecer comunicação”, explica João Almeida. No fundo, e por outras palavras, a tecnologia transforma veículos em movimento em hot-spots wireless e fá-lo de forma segura e confidencial. Podem ser instalados em qualquer tipo de veículo, permitindo que estes se consigam ligar não só entre si mas também às redes móveis existentes.
A tecnologia está a ser acompanhada pela U.Porto Inovação desde o início, está patenteada na Europa e nos Estados Unidos e já com implementações em Singapura e Nova Iorque. João Almeida não tem dúvidas que o futuro passa por aqui: levar a tecnologia para o mundo, começando por testar em “larga escala o que já está a acontecer nas redes instaladas no Porto”, conclui. A longo prazo o objetivo da Veniam (na fotografia), que licenciou o sistema, é transformar cada veículo, seja ele um autocarro, comboio ou táxi, num hot-spot de acesso livre à Internet.
Fotografias: Veniam
Esta notícia é parte da Newsletter #11 da U.Porto Inovação, na rubrica "Tecnologias da U.Porto".